Em um movimento de bastidores e pulando etapas na tramitação normal, entrou na pauta da Câmara dos Deputados de hoje (27) o Projeto de Lei 3819/2020, que pode eliminar 180 mil empregos e deixar importantes municípios brasileiros sem conexão rodoviária.
As propostas do texto, já aprovado no Senado e com requerimento de urgência na Câmara, são baseadas em bandeiras de empresas associadas à Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros (ABRATI), que formam um oligopólio e concentram o mercado há décadas. Elas vão na contramão da inovação observada em mercados da Europa e dos Estados Unidos, que já promoveram a abertura de mercado e aumento da concorrência.
Na prática, o PL 3819/20 pode frear a concorrência no setor e suspender mais de 14 mil novas linhas de ônibus em todo o País que foram concedidas nos últimos anos. Ou seja, é um retrocesso para a sociedade, pois levaria prejuízo para mais de 2,9 milhões de pessoas, e para o ambiente de negócios, na medida em que limita as opções que as empresas do setor dispõem para atuar de forma mais eficiente. Além disso, cria barreiras à entrada de novos operadores, principalmente pequenas e médias empresas, devido à exigência de capital social mínimo de R$ 2 milhões.
Hoje, o mercado de transporte rodoviário no Brasil é concentrado na mão de grandes viações, que há décadas buscam blindar esse oligopólio, dificultando o ingresso de novos entrantes. Mais de 60% das linhas são atendidas por apenas uma empresa. A falta de concorrência resulta em serviços de má qualidade e preços altos.
Na manhã de hoje o deputado federal Rodrigo Coelho (PSB/SC), que também é coordenador de mobilidade da Frente Parlamentar da Economia Digital, manifestou contrariedade ao projeto, afirmando que ele cria um pacote de proteção aos grandes grupos que dominam o setor de transportes no país. “Está evidente que o projeto é um retrocesso. Ele avança sobre aspectos eminentemente técnicos da regulação para criar barreira para as novas empresas que estão revolucionando e melhorando o serviço dos ônibus rodoviários”.
Outro que foi bastante crítico ao projeto foi Vinicius Poit (Novo/SP) que criticou a falta de debate do texto no Congresso. “O projeto andou com uma pressa que só pode andar um projeto que tem gente poderosa por trás. O projeto de lei 3819 é um verdadeiro pacotão das empresas de ônibus, se for aprovado como está, tem que ser chamada de ‘A lei do Oligopólio dos Ônibus’.”
Quem também se manifestou contrária ao projeto foi a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), que por meio de nota afirmou que as propostas do PL vão na contramão da inovação observada em mercados internacionais, como na Alemanha e Estados Unidos, e podem vetar meios de locomoção para 416 municípios e colocar centenas de empregos em risco. “A Amobitec entende que, com mais concorrência, é possível garantir produtos e serviços de melhor qualidade a um menor preço para a população por meio de novas tecnologias que reduzem custos, beneficiando diretamente os 52 milhões de brasileiros desassistidos pelo sistema”.
O projeto de lei vem sendo discutido desde dezembro de 2020, quando o senador Acir Gurgacz (PDT/RO) e o agora presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSDB-MG), organizaram uma votação apressada – quebrando acordo de líderes. No início deste ano, o projeto foi para a Câmara, onde estava sendo analisado em comissões – até o movimento silencioso de ontem à noite, que acelerou a votação sem antes passar pelo colegiado de líderes, como era esperado.
Relator do projeto, Gurgacz tem interesse direto no setor. Dono das viações Eucatur e Solimões, ambas de transporte rodoviário, ele incluiu critérios que limitam a entrada de novas companhias ao mercado, fechando as portas, por exemplo, para as empresas de tecnologia que fazem a intermediação de viagens. Seu argumento era de “promover a segurança dos usuários e de todo o sistema de transporte”.
Já o senador Pacheco, que emplacou durante as negociações de dezembro a indicação do advogado e ex-deputado estadual Arnaldo Silva Júnior, herdeiro das empresas Santa Rita e Viação Real, para a ANTT, afirmou não ter “interesse pessoal algum”, “só o de cumprir a Constituição”.
Rodrigo Pacheco também seria beneficiado com a manutenção do mercado restrito. Ele e sua família são proprietários de, ao menos, duas empresas de ônibus: a Viação Real e a Auto Ônibus Santa Rita.
A articulação na Câmara para votar ontem o requerimento de urgência e hoje o PL é de autoria dos deputados Silas Câmara e Hugo Motta, aliados de Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados. A manobra é vista como um agrado de Lira a Pacheco.
Com o pedido de urgência aprovado pela Câmara, os deputados terão de analisar o projeto em até 45 dias. A partir desse prazo, a pauta de votações ficará bloqueada.